Esses dias eu abri meu perfil do Letterboxd e odiei tudo que vi. Minha lista de filmes que quero assistir diz mais sobre mim do que a de filmes que já assisti. Ainda não sou quem eu quero ser? Não converso muito porque tenho medo de falar besteira — sendo que eu sou uma pessoa tagarela. Fui pintar aquela desgraça de Bobbie Goods que minha irmãzinha tem para RELAXAR e comecei a CHORAR E SURTAR porque só percebi-depois-de-pintar-metade-do-desenho-que-dava-para-fazer-um-padrão-na-pintura-dos-vidros-transparentes-como-verde-claro-e-os-não-transparentes-como-verde-escuro e no fim estava irremediavelmente feio e sem nexo. Quando eu estou ouvindo um desabafo, o esforço para me mostrar boa ouvinte sempre me faz esquecer de ouvir. Há tanto equívoco no que crio, fissuras na equação, ilusão de trovador. Escrevendo para mim mesma, eu me traio.
Antes de atirar uma pedra, você sente o peso nas suas próprias mãos, os ângulos cortando suas palmas finas, o tremor do esforço em seus braços fracos, dedos prontos na delicadeza do esforço. Não é à toa que o grito antecede a pedra. Sussurro por entre dentes cada letra do teu nome que mantém-te em anonimato. Não o escrevo. Prossigo. Quando estou nervosa, bebo mais de cinco chávenas exageradamente adocicadas todos os dias. Há dias em que não creio em coisa nenhuma, hoje não foi um desses dias. Me derramo em um lugar qualquer popularmente conhecido como Vereda ou Morro.
Será que eu tô realmente tão sozinha quanto costumo me impor como que factualmente? E aí continuo insistindo em tentar um futuro enquanto não sei nem lidar com meu próprio presente. Sei lá, preciso ir em alguns muitos médicos. Diminuir o tempo de tela. Comprar adesivo de nicotina. Meditar. Ir ao pilates. Sair de casa, sair da cama. Tentar comer sem querer vomitar. Como a gente para de querer o que a gente quer? Tem momentos em que eu tento desesperadamente ser feliz mas qualquer coisa minúscula é gatilho para voltar a ser a megera autodestrutiva que me construí para ser. Ou que o mundo construiu sem nem mesmo perceber (perdão, o emo está voltando, vai ter show do MCR no Brasil). Os pais fabricam a cruz em que os seus filhos são crucificados? Sou areia de cemitério.
Na adolescência, gritava para ninguém ouvir um #ForaTemer (RIP TEMERCORE). Pandemia, Bolsonaro, IA do Studio Ghibli, fui me emudecendo. Hoje, grito para a mesma audiência surda um #PalestinaLivre. Nunca sei o que posso ou deveria fazer. Me sinto incapaz, pequena, imbecil. Dou retweet num post sobre genocídio e, em seguida, entro numa thread de discussão fervorosa sobre quem é melhor: Beyoncé ou Taylor Swift? Rapidamente rolo a timeline para algum meme espertinho com fancam de k-pop ou um católico-apostólico-romano-incel-nazifascista fazendo “ragebait” ou uma notícia falando da separação de Virgínia e Zé Felipe ou um jovem dizendo que certa coisa o faz pensar “como uma senhora conservadora de direita”. Quem é a senhora? J.K. Rowling? Margaret Thatcher? A pobre, miserável e analfabeta Dona Maria de Xique-Xique (BA)?
Perdão, eu falo demais, né? Sem cadência.
Exausta de não ser escutada, eu fico esperando o momento em que todo mundo sai de casa para poder viver de verdade, no silêncio ou no barulho em que apenas eu sou capaz de ouvir.
Tô cansada da terapia, não consigo nem escrever mais — imagine falar. Tô cansada de ficar nesse lenga-lenga de psicanalisar o porquê de eu me odiar tanto, porque, no fim das contas, e daí? Eu tô morrendo e eu tô morrendo há muito tempo e minha vida é uma merda (como a de todo mundo) e a culpa é toda minha (toda nossa, sagrada, profana, sistêmica, mecânica, canibal) e eu nem consigo sair dessa, o que significa que, se eu não meter um tiro na minha testa, minha vida vai ficar cada vez mais merda porque isso é a vida e eu só consigo suportar isso com muita droga.
Sem querer pesar o clima, é claro.
Contudo, no marasmo percebo uma coisa simples: eu realizei sonhos de infância! Eu consegui e vivi três anos mágicos. Cheguei até aqui viva. E ainda vejo meu avô sorrir. Danço forró e como coquinho (licuri). Chamo minha irmã de Melisca e faço pirraça. Mainha nunca para de repetir que me ama. Painho começa a gostar de sushi. Meus amigos mandam mensagem. Continuo rindo das minhas próprias piadas e pesquisando e escrevendo o que der na telha. Ainda vejo os fogos de São João e ouço o hino do 2 de julho. E o sol do 2 de julho sempre brilha mais que no primeiro.
Mas não é possível realizar sonhos e ficar parado, você precisa de mais sonhos para seguir em frente. Sim, eu aprendi isso naquele filme da Rapunzel.
E, como bibliotecária, percebo que uma das melhores partes dos livros é quando o outro descreve para mim e vice-versa. O encanto não reside na história em si, mas na voz amada ou na voz que busca o amor. Cheirando a campos enluarados e transições.
Ufa. Consegui escrever.